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Escolas em Queimados, Nova Iguaçu, Mesquita e Seropédica participaram das ações entre 14 e 29/10.

Por Douglas Mota

As Ações Territoriais da Semana Nacional de Ciência e Tecnologia da Fiocruz na Baixada Fluminense começaram no sábado (14/10), com o II Encontro de Educação Popular. Realizado no Pré-Vestibular para Negros e Carentes (PVNC – Vila Operária), em Nova Iguaçu, o encontro serviu como uma etapa preparatória para as conferências municipais e para a Conferência Nacional de Educação (Conae), discutindo temas como os impactos do Novo Ensino Médio, da pandemia de Covid-19, bem como aspectos que podem ser aprimorados na educação brasileira.

Na primeira mesa, o filósofo e pedagogo Gaudêncio Frigotto destacou os 11 milhões de jovens brasileiros que não estudam nem trabalham, ressaltando a importância do Ensino Médio na formação desse grupo, segmento de ensino que historicamente recebe menos atenção do poder público, em sua opinião. “O Ensino Médio é fundamental”, resume, mencionando que o ensino secundarista é a base para que o estudante possa “ler, interpretar e ser sujeito, desenvolvendo uma visão de mundo própria”.

Para o pesquisador, a reforma do Ensino Médio prejudica esse caráter do curso e o justo equilíbrio entre as ciências na formação. “O Novo Ensino Médio quebra o sentido da educação básica. Faz você andar, mas sem conhecimento ou com um conhecimento torto”, avalia. A opinião foi corroborada na mesma mesa pela professora de sociologia da rede pública estadual Lucília Aguiar, que qualificou os últimos anos como um “momento de ataque à educação”.

Atuante no Complexo de Manguinhos, Aguiar é militante do Movimento de Trabalhadoras e Trabalhadores por Direitos e alertou para o “processo de sufocamento de uma vida de fato democrática” em curso no Rio de Janeiro, com o avanço da violência e o sucateamento das escolas públicas a partir de 2016. Ela lembrou que, no estado, a reforma do Ensino Médio foi implementada durante o período de educação remota, devido à pandemia, o que agravou a situação. “Os alunos do Ensino Médio foram desescolarizados”, observa, relatando que viu muitos de seus estudantes desistirem de fazer o Enem por falta de perspectivas.

A noção de luta por direitos foi destacada pela pesquisadora Carmen Castro, cientista social que atua no Observatório de Territórios Sustentáveis e Saudáveis da Bocaina (OTSS/Fiocruz). Para ela, o conceito de educação popular deve passar pela construção de uma educação com participação do povo, que pode se mobilizar por meio de movimentos sociais. “Não há possibilidade de avançar nas lutas se a educação não estiver associada”, afirmou, citando o exemplo da Escola Nacional Florestan Fernandes, montada pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST).

Representando o grupo Caminhos para Universidade, o professor e mestrando em geografia Lucas Torquato contou a história do projeto que coordena dentro da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). A proposta é apresentar o Ensino Superior aos secundaristas de escolas da Baixada Fluminense, o que, segundo ele, estimula os alunos a entrarem na universidade e aproxima a academia dos professores de Ensino Médio, que passam a conhecer cursos de extensão e pós-graduação.

Já Isabella Silva, professora de matemática e coordenadora do Pré-Vestibular Comunitário de Mesquita, destacou o contraponto que a educação popular faz em relação ao ensino privado, que tende a ser muito conteudista, em sua visão. Ao lecionar em colégios particulares, a educadora afirmou que já foi preciso evitar certos debates em sala de aula – o que pode ser feito, contudo, nas aulas do curso pré-vestibular.

 

Parceria entre escolas e museus científicos

Em outro debate, realizado na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), em Seropédica, o físico e educador do Museu da Vida Fiocruz Paulo Henrique Colonese percorreu a história dos museus científicos nos últimos séculos e apontou objetivos contemporâneos para essas instituições. Participando da mesa-redonda “A importância dos museus de ciências na melhoria da Educação Básica” na quarta-feira (18/10), Colonese lembrou que os primeiros espaços do tipo foram construídos para expor objetos curiosos e excêntricos a um público restrito, formado por acadêmicos e as realezas europeias.

Esse papel se transformou ao longo dos anos e, no século XX, se firmou como o de parceiro da educação. “[Passou a existir] Mais clareza sobre a função das exposições, não apenas como entretenimento, mas como parte do processo de ensino e aprendizagem”, conta. Nas últimas décadas, novas linguagens e formas de ação foram sendo adotadas pelos museus, como a interatividade, a dramatização, a possibilidade de criação por parte do público e o oferecimento de oportunidades para a formação de professores.

Colonese destaca, porém, que ainda falta na sociedade brasileira o hábito de frequentar museus científicos e que deve haver um esforço para inserir esses locais na vida cultural das famílias. “A maioria da população vai ao museu uma vez, com a escola, e precisamos mudar isso”, defende. Parte desse esforço, segundo ele, passa por aproximar o público da ciência nacional, tornando referências brasileiras mais conhecidas. “Temos o desafio de transformar o museu em uma grande potência da educação básica”, conclui.

 

Teatro, exposições e oficinas

O espetáculo teatral “O rapaz da Rabeca e a moça Rebeca” foi apresentado no Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro (Iserj/Faetec), no Maracanã, e no campus principal da UFRRJ. Realizada pelo grupo de teatro do Museu da Vida Fiocruz e o Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI/Fiocruz), a peça é inspirada em um cordel do cearense José Mapurunga e conta a história de um amor proibido para debater as Infecções Sexualmente Transmissíveis, principalmente HIV-Aids, de forma lúdica.

O Museu da Vida Fiocruz e o Instituto Oswaldo Cruz, por meio do projeto IOC + Escolas, realizaram diversas oficinas, tanto no campus de Manguinhos da Fiocruz, quanto nas escolas espalhadas por Queimados, Mesquita e Nova Iguaçu. A programação da SNCT também incluiu exposições montadas em escolas públicas da região sobre o território de Manguinhos, assim como sobre os cientistas Oswaldo Cruz e Carlos Chagas.

A mostra “Oswaldo Cruz: médico do Brasil” ficou exposta no Colégio Estadual São João, em Queimados, onde o estudante Mário Ramalho Júnior pôde conhecer um pouco mais sobre a trajetória e as contribuições do sanitarista. “Terem mostrado quem foi Oswaldo Cruz e sua importância na sociedade foi de extrema importância. Muitas pessoas que estudam comigo não o conheciam”, diz o aluno de 18 anos, que cursa o 3º ano do Ensino Médio.

 

Percursos expositivos para além dos muros

Estudantes e educadores também tiveram a oportunidade de conhecer lugares onde o conhecimento que constroem em sala de aula ganham aplicações práticas. Na sexta-feira (27/10), um grupo do 9º ano da Escola Municipal Professor Ruy Afrânio Peixoto, em Nova Iguaçu, conheceu o Jardim Botânico da UFRRJ e a Fazendinha Agroecológica do KM 47, ambos em Seropédica.

Na primeira parada, a turma foi guiada por estudantes de ciências biológicas da universidade em uma jornada de educação ambiental, conservação da biodiversidade e pesquisas científicas. Palmeira-imperial, palmiteiro do açaí, pau-brasil e abricó-de-macaco foram algumas das espécies vegetais apresentadas. Elas dividiram a atenção com as diferentes espécies de abelhas presentes no meliponário e outras plantas cultivadas nos viveiros do Jardim.

Já na Fazendinha Agroecológica do KM 47 – fruto de uma parceria entre UFRRJ, Embrapa e Pesagro-Rio – puderam conhecer as bases científicas da agricultura orgânica e observar como se faz uma agrofloresta, além de interagir com bovinos leiteiros que ficaram curiosos com a chegada de tantas pessoas. Para a estudante Anna Lívia Freitas, de 15 anos, o passeio valeu a pena. “Foi divertido e bem conceituado. Tivemos acesso a informações que não temos no dia a dia”, avalia, destacando as flores como seus itens preferidos da excursão.

No dia seguinte, foi a vez de a comunidade escolar do Centro Educacional Telles de Medeiros (Cetem) adentrar a floresta e visitar o Parque Natural Municipal de Nova Iguaçu (PNMNI). Acompanhados por uma rara borboleta azul, o grupo de professores e alunos subiu a trilha no Maciço do Mendanha para conhecer a antiga pedreira São José, o casarão que foi a sede da extinta Fazenda Dona Eugênia e a represa Epaminondas Ramos. Entre um atrativo e outro, houve diálogos sobre as rochas vulcânicas e a biodiversidade local, com direito à visita de um mico-estrela e um bicho-preguiça.

Para a professora de língua portuguesa Flávia Pereira, o percurso foi bastante educativo, divertido e  contribuiu para a educação ambiental dos estudantes, que vivem próximos à Reserva Biológica Federal do Tinguá, no outro lado da cidade. “O parque é maravilhoso, e os alunos estão cansados, mas gostaram demais. Eles vão dar mais valor ao que temos ao nosso redor, como rios e cachoeiras”, afirma.